Em sua terceira edição, a série de livros Toda História tem Endereço exalta a relação dos moradores com as várias camadas de uma cidade
O ano de 2019 acabara de começar quando a NITRO foi surpreendida por um desafio. O Cartório de Registro de Imóveis de Itabira estava perto de completar 150 anos e o seu gestor, José Celso Vilela, desejava celebrar a data em grande estilo. Bolar um projeto voltado ao marco dos 150 anos seria o mais convencional, mas essa história deveria ser contada para além de sua efeméride, lembra Marcus Desimoni.
“Foi quando pensamos: temos que contar a história de um cartório de registro de imóveis. Imóveis são endereços. Toda história acontece em algum lugar. Ou seja, toda história tem endereço. Por que não contar histórias que aconteceram em determinados endereços da cidade?”.
Em busca de memórias
Projeto aprovado, a NITRO partiu para a seleção de 10 endereços em Itabira – o que não é simples, já que a cidade tem centenas de imóveis históricos. Para cumprir essa missão, o melhor dos métodos: gastar sola de sapato. Foi a partir de uma ampla pesquisa com os moradores que surgiram lembranças, causos e polêmicas vivenciados em casarões, fábricas, fazendas e comércios de Itabira. Memórias que foram devidamente documentadas por meio da fotografia e da prosa e que, mais tarde, deram vida ao primeiro livro da série “Toda História tem Endereço”.

Leo Drumond, autor das fotografias, conta que a obra gerou um impacto grande entre os itabiranos: evidenciou o orgulho pela cidade (o livro é usado, até hoje, como material didático em escolas de Itabira), mas também chamou atenção para falhas graves de preservação. “Mesmo sendo uma cidade culta, com uma memória incrível, acervos familiares se perderam, como é o caso de dois casarões icônicos que pegaram fogo e levaram nesse incêndio parte da memória de Itabira. Com o livro, os moradores puderam compreender, a partir da fotografia e das histórias, que todos precisam preservar melhor seus espaços.”
Ideia multiplicada
O Toda História tem Endereço deu tão certo em Itabira que se transformou em um projeto permanente da NITRO – hoje a série de livros conta com três publicações. As outras duas edições foram realizadas nas cidades de Formiga e Uberaba, em Minas Gerais, via recursos da Lei Estadual de Incentivo à Cultura (o projeto permanece aprovado na lei e está aberto para captação).
Ao contar histórias vivenciadas em endereços, o Toda História mostra que sempre existem conexões entre os moradores e sua cidade, conta Marcus Desimoni, que esteve à frente do projeto nas duas últimas edições. “Ele desperta um significado maior, que vai além do imóvel em si. É um sentimento de fazer parte da história e se dar conta que sua lembrança faz daquele lugar um espaço vivo.”
Desimoni ressalta que há também a questão da materialidade – já que o projeto documenta, por meio da fotografia e de um livro, essas histórias como forma de eternizar endereços que no futuro podem não mais existir. “E isso pode despertar um olhar mais atento e significativo sobre esses lugares a tantos moradores que vivenciam os espaços no seu dia a dia.”

História de todos
Conrado Moreira, produtor cultural e editorial na Bushido Produções, que realizou o projeto em Formiga e Uberaba, lembra o aspecto democrático da iniciativa: qualquer pessoa pode ser fonte de histórias. “O projeto não se limita a ouvir figuras populares da cidade, já acostumadas com alguma atenção. E a recepção, principalmente por parte dos anônimos, foi sempre muito calorosa.”
Para Moreira, esse é o grande diferencial do Toda História tem Endereço: um olhar que não é convencional, que é sensível, não só para os lugares, mas para as pessoas. “Como participei de todas as entrevistas, presenciei esse sentimento de pertencimento, de valorização. Quando as pessoas se percebem como parte da história da cidade, é notório o orgulho e a alegria.”